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    Artigo: O curioso (e irracional) ataque à Zona Franca de Manaus

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    Seja como fruto de sua dimensão continental, seja reflexo de sua formação histórica, o Brasil apresenta evidentes desequilíbrios sociais, raciais, econômicos e regionais. A Constituição de 1988 veio a apontar a necessidade de enfrentar esses desequilíbrios, como fundamento de crescimento equilibrado e socialmente justo e solidário, a partir do artigo 3º, em que são estabelecidos os fundamentos da República brasileira, a saber: I) construir uma sociedade livre, justa e solidária; II) garantir o desenvolvimento nacional; III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

    Enfrentar os desequilíbrios regionais é um dos elementos centrais do nosso desenvolvimento nacional e da unidade da nossa Federação. Isso foi completa e profundamente compreendido pelos constituintes de 1988, quando estabeleceram a vedação de distinção tributária entre estados, mas expressamente reconheceram a possibilidade e a necessidade de concessão de benefícios fiscais para promover o desenvolvimento de diferentes regiões do país.

    Da mesma forma, por diversas vezes, a Constituição da República determina que sejam reduzidas as desigualdades regionais: Art. 43 (instrumento de ação do Estado na redução das desigualdades regionais); art. 165, § 7º (função orçamentária na redução das desigualdades inter-regionais); e art. 170, inciso VII (função da ordem econômica na redução da desigualdade regional).

    Nessa mesma linha, os constituintes de 1988 vieram a reconhecer expressamente a importância da Zona Franca de Manaus, criada pela Lei 3.173, de 1957, no art. 40 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias. (É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição. Parágrafo único. Somente por lei federal podem ser modificados os critérios que disciplinaram ou venham a disciplinar a aprovação dos projetos na Zona Franca de Manaus.)

    Zonas francas, de modo geral, são compreendidas como áreas livres para importação ou exportação de mercadorias, gozando de incentivos fiscais especiais, destinados a promover o desenvolvimento local.

    O art. 1º do Decreto-lei nº 288/67, que dá à Zona Franca de Manaus sua configuração atual, a define como área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar, no interior da Amazônia, um centro industrial, comercial e agropecuário, constituído de condições econômicas que propiciem seu desenvolvimento, considerando os fatores locais e também sua distância dos centros de consumidores.

    Com isso, seu objetivo principal é o de propiciar um maior incentivo para as empresas da região, por meio de isenções de impostos sobre o comércio exterior e interno e, ato contínuo, permitir o estabelecimento de um núcleo industrial e comercial que possa produzir para o mercado de exportação e o interno do país.

    A Zona Franca de Manaus tem se notabilizado pelo seu sucesso de desenvolvimento econômico na Região Norte do nosso país. Manaus, o estado do Amazonas e toda a região amazônica têm recebido múltiplos benefícios, econômicos, sociais e ambientais, desde a sua implantação.

    Segundo dados da Suframa, o Polo Industrial de Manaus possui aproximadamente 500 indústrias de alta tecnologia, gerando mais de meio milhão de empregos, diretos e indiretos, principalmente nos segmentos de eletroeletrônicos, duas rodas e químico. Além disso, é um polo econômico de desenvolvimento que favorece a concentração da população do rstado na sua capital, Manaus, o que o torna, um importante indutor na preservação ambiental na região amazônica.

    Segundo Virgilio Viana (superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável e primeiro-secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas) e Benjamin Sicsú (ex-secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e atual presidente do Conselho de Administração da Fundação Amazonas Sustentável), a “Zona Franca de Manaus tem sido instrumento importante para a redução do desmatamento na Amazônia e a redução das desigualdades sociais entre a Região Norte e o restante do Brasil”.

    Ao concentrar as atividades econômicas no Polo Industrial de Manaus, os agentes econômicos e as forças políticas relacionadas à grilagem de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento ilegal possuem menos força no Amazonas do que nos demais estados da região. Ainda que sem intenção, a Zona Franca de Manaus se tornou uma das mais eficazes políticas de redução do desmatamento na Amazônia. Foi exatamente esse benefício indireto para a conservação ambiental que levou o Congresso Nacional a aprovar a extensão da Zona Franca de Manaus por mais 50 anos, de forma quase unânime.” (http://pagina22.com.br/2018/05/16/
    qual-e-a-contribuicao-da-zona-franca-de-manaus-para-a-amazonia/). Portanto, é curioso, para dizer o mínimo, o ataque por que passa tão importante polo de desenvolvimento regional do nosso país.

    (Foto: Reprodução/Internet)

    Os ataques partem da falsa premissa de que os benefícios são dirigidos às empresas. Na verdade, os benefícios são dirigidos à região, que sofre com o desequilíbrio econômico e social, pois é responsabilidade do Estado promover o crescimento econômico equilibrado. As empresas que lá investem o fazem com base na confiança no incentivo que o Estado oferece para suprir os custos logísticos decorrentes de tal investimento (transporte e energia são limitados e caros).

    Não é excessivo recordar da já presente dificuldade enfrentada pelas empresas acerca do creditamento do IPI decorrente das entradas de insumos isentos e provenientes da Zona Franca de Manaus, conforme o art.9º do Decreto-lei nº 288/67.

    Evidentemente, não poderíamos tratar de desenvolvimento regional e nacional sem que falássemos do necessário implemento de soluções voltadas ao incentivo e à pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Não à toa, a Constituição Federal determinou que o Estado promovesse e incentivasse o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica (art. 218), considerando o mercado interno integrante do patrimônio nacional que deve ser incentivado para possibilitar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do país (art.219).

    Assim, a razão de redução ou eliminação dos benefícios não está associada a políticas de desenvolvimento e a reestruturação do modelo de equilíbrio regional que, conforme demonstrado, têm que ser o elemento fundamental a se considerar.

    Fato é que a crítica é pressionada pela busca de aumento de arrecadação, atendendo necessidades fiscais momentâneas. Esquecem os críticos que, retirados os benefícios ou reduzidos a níveis incompatíveis com o investimento feito ou necessário, o polo econômico que levou 50 anos para atingir sua maturidade deverá acabar, forçando o Estado a intervir diretamente na realização de despesas que hoje são supridas pelas empresas que lá investem.

    A Constituição Federal não fez da Zona Franca de Manaus um polo atrativo de incentivos fiscais diferenciado em prejuízo do país, muito menos buscando conferir privilégios a uma determinada região. Muito pelo contrário. Trata-se, em suma, de um regime aduaneiro e tributário diverso, mas com objetivo de atendimento ao interesse nacional que, inclusive, compreende o regional, conforme o art.174, §1º da Carta Magna. Neste contexto e, portanto, a desconstrução da Zona Franca de Manaus, em violação à segurança jurídica e à lealdade que o Estado deve ao contribuinte, corresponde a uma grave ameaça e um triste tributo à nossa Constituição Cidadã.

    * O artigo foi publicado pelo Correio Brasiliense e é de autoria de LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS, ex-procurador-geral da Fazenda Nacional e ex-advogado Geral da União; e MARCELO CAMPOS, pesquisador e professor de direito tributário e direito processual tributário, e presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT).

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