O medicamento descoberto por cientistas brasileiros do Cnpem (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) apresentou 94% de eficácia em testes in vitro contra o coronavírus, número similar ao da cloroquina. Agora, ele seguirá para testes clínicos em pacientes internados em hospitais com a Covid-19.
O anúncio foi feito por Marcos Pontes, ministro do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações), durante coletiva de imprensa realizada em Brasília. A aprovação para pesquisa pelo Conep (Conselho Nacional de Ética em Pesquisa) ocorreu na última terça (14). “Temos boas perspectivas que os resultados dessa pesquisa possam ser positivos e assim poderemos ajudar não só o Brasil, como outros países no combate à Covid-19”, afirmou o ministro.
A descoberta do fármaco ocorreu após os cientistas testarem a princípio 2 mil medicamentos utilizando um computador com inteligência artificial para ver a interação com enzimas que fazem a replicação do vírus. Destes, seis seguiram para o teste in vitro. Com o sucesso de um deles, ele seguirá agora para os testes clínicos com pacientes infectados.
Os pesquisadores não divulgarão o nome do remédio por enquanto por ele ainda estar em fase de testes. Segundo eles, é provável que os testes durem quatro semanas até que se tenha o resultado. A intenção da pesquisa é saber se o sucesso in vitro também ocorrerá em humanos, o que seria um grande avanço na luta contra o coronavírus.
Foi adiantado, contudo, que o medicamento em questão tem as seguintes características:
-Economicamente acessível no Brasil
-Bem tolerado em geral
-Comumente utilizado por pessoas dos mais diversos perfis
-Está disponível em formulação pediátrica.
Como será o teste clínico
A pesquisa em teste clínico, agora, será feita com 500 pacientes em sete hospitais do Brasil. Eles receberão tratamento diário com a substância, após assinarem um termo aprovando a realização do teste. Os hospitais que participarão dos testes ficam no Rio de Janeiro (5), em São Paulo (1) e em Brasília (1).
As pessoas infectadas com o coronavírus terão tratamento diário com o medicamento encontrado pelos cientistas. Na pesquisa, o médico sequer saberá se está dando o medicamento ou placebo para os pacientes, apenas a equipe científica terá noção de quem tem de fato recebido o medicamento.
“É importante seguir um rigor científico do início ao fim da pesquisa. O paciente não sabe se recebe a medicação, o médico não sabe isso. Tem um corpo anterior que sabe e faz o controle. Depois de todo o protocolo clínico realizado isso é desvendado e sabemos se foi eficaz ou não”, explicou Marcelo Morales, secretário de políticas para formação e ações estratégicas do MCTIC.
O ministério apontou que os insumos são fabricados no Brasil, o que facilitará a pesquisa já que não há necessidade de importações de reagentes. A testagem seguirá um modelo amplo de pacientes entre pessoas acima de 18 anos. Participarão da pesquisa pacientes com pneumonia, tosse seca e tomografia que indique Covid-19.
Como cientistas chegaram ao remédio
A busca por um medicamento envolve o “reposicionamento de fármacos”. O que é isso? Eles selecionam medicamentos que já estão nas prateleiras das farmácias, portanto já aprovados para uso humano. Dos 2.000 iniciais o número caiu para 16 que tiveram resultados promissores e, posteriormente, para cinco medicamentos mais promissores, baratos e disponíveis no mercado brasileiro.
A intenção dos pesquisadores era ver se algum dos milhares de fármacos selecionados poderia interagir com a protease [um tipo de enzima] do coronavírus para evitar sua replicação no corpo humano. Nesta fase da pesquisa, foram feitas análises e simulações computacionais com inteligência artificial para entender quais medicamentos poderiam inibir a enzima e funcionar como um antiviral.
“Esse encaixe não ocorre de maneira fácil. É como buscar uma chave [medicamento] em um chaveiro cheio delas [muitos compostos]. Essa chave deve se encaixar perfeitamente na fechadura do vírus [locais específicos das proteínas dos vírus capazes de bloquear sua atividade]”, diz ao Tilt Daniela Trivella, pesquisadora do Cnpem.
“Estas regiões específicas das proteínas virais são importantes para realizar reações químicas, infectar células humanas e propagar o material genético viral —fases fundamentais de uma infecção. Por isso, são estas fechaduras que miramos”, aponta Trivella.
Com os cinco compostos selecionados, a pesquisa entrou em uma nova fase de análise in vitro — em cultura de célula com contato direto com o vírus. A intenção é ver, na prática, como os compostos e medicamentos selecionados interagem de fato com o coronavírus.
Outros candidatos
Várias pesquisas já mostraram eficácia de remédios contra o coronavírus in vitro. Estudos internacionais apontaram primeiro a cloroquina com um papel importante na replicação do organismo invasor.
A própria OMS (Organização Mundial da Saúde) organiza testes clínicos para entender a eficácia em humanos de outros medicamentos já testados com sucesso in vitro – entre eles, o remdesivir, lopinavir, emitine e outros.
Na última semana, pesquisadores australianos afirmaram que testes in vitro com a droga ivermectina, um antiparasitário usado normalmente para combater piolhos, eliminaram totalmente o coronavírus de células infectadas em 48 horas, sendo que em 24 horas já restava pouco material genético do vírus.
Todos os medicamentos citados ainda estão em fase de testes para ter a eficácia comprovada em humanos. Achar um remédio contra a covid-19 é visto como prioridade no momento para aliviar hospitais, já que uma vacina só deve ficar pronta no próximo ano.
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*Reportagem do UOL