Ana é produtora cultural e audiovisual, atriz, palhaça e além de fazer graça, teatro e cinema é importante dizer que a arte dela é feita pra rir verdadeiramente. Na peça ‘Ella’ a artista leva o público até um lugar onde a risada também pode refletir sobre o cuidado consigo mesmo, com as informações que nos chegam e até onde isso pode nos violentar.
A obra será apresentada ainda este mês no Vabieka Fest, um festival internacional de palhaças que acontece no México. Antes disso, duas apresentações acontecem em Manaus gratuitamente no Ateliê 23 nos dias 10 e 17 de maio, ás 20h da noite.
Durante os 40 minutos de apresentação, o solo de palhaço de Ana convida o público a seguir numa jornada em busca do que é o corpo perfeito sob o espectro das diversas plataformas midiáticas. Com interação do público a sua montagem inspira reflexões sobre a violência de gênero simbólica contra a mulher, passando por também pelos papéis sociais de gênero masculino e feminino.
A classificação de faixa etária indicada é de 16 anos.
Ana Oliveira é fruto da primeira turma do curso de Teatro da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), durante a graduação teve contato com a performance como linguagem artística e se encantou pela palhaçaria.
A iniciativa responsável pelo elo que uniu Ana ao universo da palhaçaria veio da Grécia em 2009.
“A Lis Nobre é uma artista amazonense que vive na Grécia e trabalha como palhaça. Ela veio pra Manaus e fazia oficinas aos sábados, sou da geração de palhaços que ela formou e quase todos ainda estão na palhaçaria”, lembra Ana contando como era raro em Manaus atividades de formação nessa área pela qual se apaixonou.
Como iniciou
Ana frequentou a Companhia de Teatro do La Salle na infância e na adolescência o Liceu de Artes e Ofícios Cláudio Santoro. Fez parte da Cia Cacos de Teatro (hoje renomeada como Coletivo UTC-4). Concluiu, em 2016, o curso de formação da Escola Livre de Palhaço, organizada pelo grupo OFF-Sina no Rio de Janeiro.
Na pesquisa para compor ‘Ella’ buscou pontos de diálogo existentes entre a realidade que vivia e a performance de palhaçaria que passou a se envolver. A atriz foi uma das estudantes de universidade pública do país que teve oportunidade através do programa Ciência sem Fronteiras de viver um intercâmbio fora do Brasil. Ela estudou dois semestres de Teatro na Universidade Kent, localizada no Sul da Inglaterra e também trabalhou na área de produção de espetáculos durante três meses em dois espaços culturais ingleses.
“Nos lugares onde trabalhei durante o intercâmbio tinha uma programação intensa, salas de ensaio e espaços para apresentações. Consegui dois estágios nos setores de produção do Stratford Circus e do National Theatre – que é o bam bam bam de lá.
Foi mais fácil conseguir uma vaga na área de produção porque meu sotaque falando inglês não é britânico e isso dificultava o acesso a oportunidades de atuar como atriz. O que não foi ruim pois eu já vinha trabalhando com produção de eventos em Manaus também desde 2009. Não deixou de agregar a minha experiência com a área da cultura”
“Aquilo mexeu com todo o mundo. E eu estava sozinha em outro país, longe de todas as redes de segurança que tinha ao meu redor. Me fez ler mais, me reconhecer nesse lugar, passei a ter mais medo e a pesquisar mais sobre o feminismo. Quando voltei e precisava montar um espetáculo para o TCC me perguntei: O que tem aqui dentro? Sobre o que eu quero falar? E foi essa realidade de que a mulher cresce em um ambiente que a sexualiza e quando atos violentos como o ataque na Índia acontecem, a culpa ainda é dela. Precisava problematizar isso.
Essa temática também reverberou bastante naquela época, com a mobilização em torno do Não Mereço Ser Estuprada. Tentei juntar todos esses elementos. Foi uma loucura, mas deu certo”
‘Ella’ pelo Brasil
O espetáculo estava desde 2016 sem apresentações em Manaus e quebrou o ciclo no ultimo dia 24 na Usina Chaminé para um público que se envolveu ativamente na peça.
Antes disso, a última apresentação tinha acontecido em Londrina, no Paraná, em setembro de 2018. ‘Ella’ também já foi apresentado para os públicos de São Paulo, Rio de Janeiro e agora segue para o México.
“Já tenho uma certa experiência com teatro e estar em cena sozinha, em um solo, significa que você está com tudo na sua mão, se não der certo você não tem a quem culpar. As três apresentações em Manaus antes de viajar é pra que não chegue nervosa para a apresentação no México”, conta Ana que acredita ser uma experiência artística e também antropológica já que ao final das apresentações o público de cada cidade é convidado para um debate.
“Como não tem nada marcado é muito no improviso, a primeira regra pra eu chamar a pessoa pro palco é que ela não seja do teatro, depois é que eu não a conheça, então não tenho controle sobre o que acontece. Algumas vezes teve a discussão sobre eu ter dado brecha, sobre os sinais de que eu queria algo“, explica.
“Nas quatro apresentações no Rio de Janeiro as mulheres faziam exercícios comigo mas nenhuma aceitava o alface que ofereci, você analisa o que aquilo quer de dizer de cada situação em cada local. Em São Paulo, em 2016, um local onde as pessoas são bem engajadas na causa, quando existe cena de violência elas ficam com sangue nos olhos”, Ana também notou mudanças nas abordagens da mídia.
“Quando apresentei em Londrina ano passado eu precisei comprar revistas lá pra ilustrar algumas situações em cena e já foi mais difícil achar matérias com conteúdos que tinham antigamente, quando iniciei o espetáculo (…) vou continuar fazendo isso enquanto for relevante, não tem perspectiva de acabar muito rápido mas já vejo algo mudando”
Classificação Indicativa
Alcance da Obra
Durante uma das apresentações de ‘Ella’ a atriz convidou para encenação de um encontro romântico um rapaz que estava na plateia, o que foi o ponto de partida para outro elemento de reflexão da obra.
“Ele deixou claro a orientação sexual dele ali naquele momento e não estava interessado, então puxei outro que era mais tímido. Quando fui pedir o beijo, ele falou que era casado, ou seja, com a intervenção final foram apresentadas três tipos de masculinidades ali, que foram destacadas durante o debate. Foge do meu controle até onde o espetáculo pode ir”
Ana é uma das três palhaças brasileiras a se apresentar no Vabieka Fest e quando questionada sobre a apresentação no México ela também acredita que terá facilidade na comunicação. “É um espetáculo sem fala, o que facilita já que tudo está posto através de símbolos. Além de que nós, mulheres latinas, somos hiper sexualizadas. Assim como a motivação veio da Índia e comunicou com Brasil acredito que também vá comunicar bem por lá”, explica.
Um dos objetivos de Ana é levar apresentações para o interior do Estado.
“Tenho consciência de é um espetáculo elitista, mas gostaria de saber como seria recebido no interior. Lá as questões são outras: prostituição, exploração infantil… Precisaria fazer uma pesquisa maior para saber como o espetáculo se encaixaria em outras realidades. O ‘Ella’ é muito sobre meu eu adolescente,que queria ser a Britney Spears e eu não sei dizer se essa seria também a realidade das meninas do interior. As referências podem ser outras, que eu não conheço. Eu me comunico muito bem com a minha bolha mas quero descobrir o diálogo com outras bolhas. Isso que é legal do teatro, ele vai se transformando a partir do contato com contextos e realidades diferentes”, finaliza Ana numa maturidade artística típica de quem sabe onde está e até onde pode ir.
Vencedora do edital Conexões Culturais 2017 com uma peça entitulada ‘O Mundo de Sofia’ que também é solo, Ana deve circular em breve no circuito teatral da cidade com outro espetáculo de temática e faixa etária livre, contando com direção de um profissional de fora do Estado.
‘Ella’ é uma realização da produtora que Ana tem em parceria com dois amigos cineastas, Valentina Ricardo e Bernardo Ale Abinader, a FitaCrepe Filmes & Artes Cênicas e estará em cartaz no Ateliê 23 nas duas próximas sextas-feiras (10 e 17 de maio), na Rua Tapajós, Centro de Manaus, ás 20h.