Os indígenas da Amazônia sofrem com os impactos devastadores causados pela contaminação do mercúrio usado durante o garimpo ilegal na floresta amazônica. Um estudo realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) apontou que a infecção chega a todos os indígenas da etnia Munduruku participantes da pesquisa.
O mercúrio é um metal obtido por meio da ustulação (processo químico utilizado na metalurgia e garimpagem que consiste em aquecer um sulfeto na presença de gás de oxigênio). Essa substância tóxica é a mais utilizada na extração de ouro com o objetivo de separar o metal precioso dos sedimentos, após a mineração. Depois da liberação do metal pesado no ambiente, por meio do mesmo processo ou ao eliminar o restante do mercúrio não utilizado nos rios e lagos, este sofre diversas transformações químicas e é incorporado na cadeia alimentar, atingindo assim os seres humanos e podendo causar além de problemas neurológicos sensitivos e motores, outras enfermidades graves.
Estima-se que cerca de 200 indígenas de três aldeias da etnia Munduruku estejam sendo vítimas deste processo. Mais do que isso, alguns chegam a ser convocados para o trabalho devido às poucas opções de emprego na região. Preocupado com isso, os pesquisadores Paulo Cesar Basta e Sandra de Souza Hacon coordenaram uma pesquisa na região para analisar os problemas causados pela atividade garimpeira ilegal, que se estima já ter sido realizada por cerca de 50 a 70 mil pessoas desde a década de 50 do século XX.
O estudo foi feito presencial nos municípios de Itaituba e Trairão, no estado do Pará, de acordo com solicitação da Associação Indígena Pariri, que representa o povo Munduruku do médio rio Tapajós, com a participação dos moradores das aldeias Sawré Muybu, Poxo Muybu e Sawré Aboy.
Em entrevista ao EM TEMPO, um dos coordenadores da pesquisa, o médico, professor e pesquisador do ENSP/Fiocruz, Paulo Cesar Basta, explicou que o estudo detectou níveis de mercúrio nas amostras de cabelo daquela população.
“Resolvemos fazer esse trabalho depois de um pedido carregado de denúncia da Associação Indígena Pariri, que representa o povo Munduruku, do Médio Tapajós. Nossa intenção era buscar evidências científicas para comprovar que o problema existe e está presente não só lá, mas em outros pontos da Amazônia”, revela. O estudo foi encaminhado para o Ministério Público do Pará e também para o Ministério Público Federal .
A equipe de pesquisadores se preocupou também com a linguagem técnica da pesquisa e para isso, muito além da pesquisa, está desenvolvendo produtos para alertar e conscientizar os moradores destas aldeias. “O linguajar do relatório é técnico e por isso, sabíamos da dificuldade dos indígenas em interpretar este material. Para facilitar isso estamos desenvolvendo livros paradidáticos para crianças e outros materiais até para os adultos entenderem o impacto que esta atividade causa para eles, inclusive para aqueles que trabalham no garimpo e vivem nas aldeias”. Enquanto os materiais estão em fase de produção, uma música já foi criada para ajudar na conscientização.
Problemas neurológicos
A Dra. Cecília Zavariz, especialista em alterações na saúde pela exposição ao mercúrio e que desenvolve o Programa Nacional de Mercúrio, conta que como o mercúrio não se degrada no meio ambiente, ele contamina as plantas e os animais, inclusive o homem, e se dispersa na natureza. “Quando contamina os animais, como os peixes, o risco de intoxicação é grande podendo causar lesões neurológicas graves e irreversíveis, até a morte”.
Os malefícios do mercúrio no organismo humano são dos mais diversos: a inalação de altas concentrações de vapor de mercúrio metálico pode causar dano aos pulmões e a inalação crônica proporciona distúrbios neurológicos, problemas de memória, erupções cutâneas e insuficiência renal. A contaminação é dada das mais diversas formas, segundo o coordenador da pesquisa. “Esse mercúrio pode chegar ao organismo por meio dos peixes na alimentação, por meio da água contaminada, mas não só por aí, o mercúrio pode ser despejado inclusive pelo ar, durante o processo de chuvas na região”, explica Paulo Basta.
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