Existe uma dúvida no ar que incomoda todos os trabalhadores: quem será realmente beneficiado e penalizado com as mudanças que a Reforma da Previdência sugere? De acordo com os dados preliminares do censo do IBGE de 30 de setembro de 2017, 329.932 trabalhadores rurais e agrícolas do interior do Amazonas podem ser prejudicados diretamente caso a Reforma, do jeito que está, seja aprovada.
O sistema previdenciário caminha para um déficit cada vez maior, prejudicando a arrecadação da União. No centro da problemática está o aumento da expectativa de vida do povo brasileiro nos últimos anos. Ninguém duvida da necessidade de uma reforma na Previdência, mas há muitas dúvidas sobre a proposta do Governo Federal, que tramita na Câmara Federal.
Um dos líderes nacionais do PSB, o deputado Serafim Corrêa (PSB) expressa uma “opinião muito clara” a respeito da situação atual da Previdência: “Nós temos um problema com o aumento da expectativa de vida do povo brasileiro. Antes você vivia 50 anos em média; sessenta anos atrás a vida média do brasileiro era de 60 anos; hoje é de 75 anos. Claro que isso desequilibra o sistema previdenciário. E o que precisa ajustar na reforma é isso”, explicou.
Em tese, a coisa funciona assim: quanto mais tempo de vida, mais tempo o aposentado viverá às custas da previdência e mais crescente o número de aposentadorias. Hoje no país já são 20,3 milhões de aposentadorias, e se não for contido o crescimento, empurrando a aposentadoria para “mais tarde”, a situação ficará insustentável num futuro breve.
Ex-delegado Regional do Trabalho no Amazonas, o deputado Dermilson Chagas (PP) é crítico da reforma previdenciária nos moldes adotados pelo governo. Para ele, a reforma previdenciária, do jeito que está, atinge principalmente as pessoas que tem pouca renda, as pessoas que contribuíram de forma indireta para a Previdência Social do país e que conseguiram, através de lei, o BPC, a aposentadoria do trabalhador rural, por exemplo.
Prejuízo aos idosos do interior
Com a experiência de quem comandou a Delegacia Regional do Trabalho (DRT-AM), Dermilson alerta para um perigo iminente contido no bojo da proposta. Segundo ele, a reforma da Previdência, se atingir esses contribuintes indiretos, vai causar um impacto muito grande na vida econômica e social de toda a população do interior do Amazonas, assim como das demais regiões do país.
“Essas pessoas, principalmente no nosso Estado, onde não existe indústria, geração de renda e empregabilidade no interior, têm no programa social a sua salvação para ter renda na velhice. Hoje podemos pensar em 300 mil trabalhadores rurais e pescadores só no interior do Amazonas. Eles contribuíram indiretamente, nenhum está irregular. Porque todo cidadão brasileiro contribui para a Previdência, direta ou indiretamente”, argumenta Dermilson.
O deputado Serafim Corrêa concorda que existe no texto da reforma essa questão de punir os mais pobres, que é maior do ponto de vista social. Para ele, punir a pessoa com deficiência física, punir o trabalhador rural, é punir quem pode menos. “E este é um ponto com o qual nós somos intransigentes, não concordamos. A verdadeira reforma terá de equilibrar o sistema, e não desequilibrar a vida, de uma vez por todas, daqueles que podem menos”, acentua.
O que é a reforma
Atualmente, a Previdência concentra boa parte do orçamento da seguridade social. Em 2018, foram gastos 78% (R$ 716 bilhões) com Previdência Social, 12% (R$ 110 bilhões) com Saúde e 10% (R$ 88 bilhões) com Assistência Social, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional.
Em 2018, 25% das despesas previdenciárias do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) foram bancadas por meio de contribuições de trabalhadores, 45% vieram dos empregadores, 30% eram oriundos de dinheiro aportado pela União para cobrir o déficit entre a receita e as despesas.
A fim de conter esse crescimento negativo, a equipe econômica do atual chefe da Republica, liderada pelo economista Paulo Guedes, apresentou o projeto de reforma, que busca uma economia da ordem de R$ 1 trilhão em 10 anos, com as mudanças nas regras previdenciárias. Assim, as regras de transição da reforma, para quem já está trabalhando, vão exigir mais tempo na ativa.
Pela reforma, a idade mínima para se aposentar será de 62 anos para as mulheres e 65 para os homens. Por essa regra é necessário que haja, no mínimo, 20 anos de contribuição. O governo propõe a redução do BPC de um salário mínimo para R$ 400 mensais, alegando a necessidade de expandir o benefício para mais 500 mil idosos.
Já as regras de transição para quem já está trabalhando e contribuindo para o INSS, oferecem quatro opções: 1) por um sistema de pontos; 2) por idade mínima com tempo de contribuição; 3) por idade; 4) pagando um pedágio de 50%. O pedágio é para quem, pelas regras atuais, se aposenta em dois anos: terá de pagar mais um ano.
A questão da idade mínima é defendida pelo deputado Serafim Corrêa, porém, ele discorda da forma como a proposta do governo está colocada. “Mistura tudo. Misturou assistência, previdência, benefício de prestação continuada (BPC), aposentadoria rural. E aí criou regras para ex-servidores, enfim, o governo misturou tudo. E quando alguém mistura tudo é porque não quer aprovar nada. Ele quer só fazer confusão”, argumenta.
A bola de neve
Os números do Tesouro Nacional apontam o crescimento dessa bola de neve. Em 2014 o rombo era de R$ 56 bilhões, foi para R$ 85 bilhões em 2015, atingiu R$ 182,4 bilhões em 2017, e em 2018 chegou a R$ 288,8 bilhões. Em 2019, para completar a folha dos aposentados o desembolso do governo está previsto em R$ 309 bilhões.
Benefícios pagos hoje pela Previdência
As aposentadorias como um todo: 58% dos benefícios = 20,3 milhões de pessoas.
Sendo:
– 10,7 milhões por idade (homens 65 anos e mulheres 60 anos);
– 6,3 milhões por tempo de contribuição – (homens por 35 anos e mulheres por 30 anos);
– e 3,3 milhões por invalidez.
– Os outros 42% são pensões por morte, benefícios relacionados a acidentes de trabalho e à Lei Orgânica da Assistência Social, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC pago a mais de 2 milhões de idosos acima de 65 anos), segundo o INSS.
Fontes de receita previdenciária
A principal fonte de receita da Previdência vem do desconto mensal no pagamento dos trabalhadores com carteira assinada:
– Salário do empregado: varia de 8% a 11%;
– Contribuição das empresas por empregado: era de 20% até 2011, foi reduzida a até 1% pela desoneração da folha de pagamentos instituída no governo Dilma Rousseff e vem sendo gradativamente reconstituída.
Como essas duas fontes de receita são insuficientes para equilibrar a receita com as despesas, os discursos políticos sobre a reforma da Previdência se concentram no “déficit” e nos “privilégios”. Uma herança das ‘reformas’ realizadas nos governos anteriores, que nunca acabaram e nada resolveram.
Para Serafim Corrêa, a proposta de reforma atual, assim como as anteriores, não deverá passar pelo crivo político. “A nossa posição partidária é que esse texto não será aprovado. Nós entendemos a necessidade de se fazer ajuste na idade, mas apenas isso. E não tentar fazer uma grande parafernália. A reforma é cheia de jabutis, de coisas que não tem nada a ver com previdência”, adverte.
Dermilson Chagas também concorda com o aumento da idade, mas é cético quanto garantia de emprego para pessoas acima de 50 anos. E vai além: “Quantas pessoas acima de 30 anos ainda estão trabalhando formalmente? Os números do IBGE já mostram dados alarmantes. A pergunta que tem de ser feita é esta: quantas pessoas acima de 30, 50 anos os empresários, que estão querendo a reforma, vão empregar até completarem a idade mínima?”