Uma portaria da Fundação Nacional do Índio (Funai) publicada nesta terça-feira (17) revela desconhecimento sobre o próprio regimento do órgão ao tirar da Coordenação-geral de Índios Isolados a atribuição de contatar essas tribos.
Essa é a avaliação de servidores da Funai que entraram em contato com o blog na condição do anonimato. Quem assina a portaria é o próprio presidente da fundação, Marcelo Augusto Xavier da Silva.
A fundação considera isolados os “grupos indígenas que não estabeleceram contato permanente com a população nacional, diferenciando-se dos povos indígenas que mantêm contato antigo e intenso com os não-índios”.
A portaria estabelece medidas temporárias de prevenção à infecção e propagação do novo coronavírus no âmbito da Funai e, em seu artigo 4º, determina a suspensão de todas as atividades que impliquem o contato com comunidades indígenas isoladas.
Para servidores do órgão, esse artigo já é precipitado ao tratar de atividades de contato com comunidades isoladas, já que a política da Funai desde a década de 80 é de evitar ao máximo qualquer contato com esses grupos índios, respeitando sua decisão de se isolar.
Além disso, a portaria prevê que essa suspensão pode ser excepcionada por autorização das 39 coordenações regionais “caso a atividade seja essencial à sobrevivência do grupo isolado”.
Apesar de estar na portaria, essa autorização não está entre as atribuições das coordenações regionais.
Segundo o regimento da Funai, cabe à coordenação-geral de índios isolados “coordenar e supervisionar, intersetorial e interinstitucionalmente, ações de contato e pós contato com povos indígenas isolados”.
Na prática, apenas o presidente da Funai e a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato podem tomar esse tipo de decisão.
Para servidores que conversaram com o blog, a portaria revela que a equipe que está no comando do órgão desconhece as atribuições dos setores da Funai.
O que diz a Funai
O blog entrou em contato com a Funai sobre as críticas à portaria. A Fundação informou “que estão suspensas todas as atividades que impliquem o contato com comunidades indígenas isoladas, o que pode ser excepcionado caso a atividade seja essencial à sobrevivência do grupo isolado”.
O órgão manteve a informação de que “as Coordenações Regionais poderão conceder autorizações em caráter excepcional, mediante ato justificado, para a realização de atividades essenciais às comunidades indígenas”.
“Consideram-se essenciais as atividades que fundamentem a sobrevivência da comunidade interessada, em especial o atendimento à saúde, a segurança, a entrega de gêneros alimentícios, de medicamentos e combustível”.
Sociedade civil
Integrantes da sociedade civil que trabalham com a questão de índios isolados concordam com a avaliação de servidores do órgão sobre a portaria que estabelece medidas de prevenção ao coronavírus.
Para Maria Emília Coelho, integrante do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, a portaria publicada pela Funai revela “a falta conhecimento técnico da gestão atual para cumprir suas atribuições institucionais”.
“Primeiro, ignora a categorização oficial, e o seu próprio regimento interno, utilizando o termo ‘comunidades indígenas isoladas’ para se referir aos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil”, diz.
De acordo com a indigenista, a portaria também atribui inadequadamente às Coordenações Regionais da Funai a execução das ações de contato e pós contato com povos indígenas isolados, “uma competência exclusiva da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato do órgão”.
Divergências internas
O presidente da Funai, o delegado Marcelo Augusto Xavier, entrou no cargo em julho de 2019 e já foi alvo de diversas críticas de servidores, indígenas e do Ministério Público Federal.
Em janeiro, o blog mostrou que a gestão de Marcelo tem sido marcada por divergências internas que resultaram na demissão de funcionários, em nomeações políticas para cargos técnicos e na escalada de violência em terras indígenas.
Leia mais:
O que está em jogo no STF sobre a Funai
Funai encontra 34 índios isolados e evita conflito entre etnias
*Por Matheus Leitão, do G1