Em sessão remota da última terça-feira (16), o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 1.142/2020, que determina ações para combater o avanço da Covid-19 entre indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. O texto, aprovado em votação simbólica, será encaminhado à sanção presidencial.
O projeto, que teve origem na Câmara, institui medidas de vigilância sanitária e epidemiológica para prevenção do contágio do coronavírus entre indígenas e quilombolas, além de considerar as populações tradicionais como grupos vulneráveis. Entre as medidas previstas no plano emergencial estão o pagamento de auxilio emergencial, o acesso universal a água potável, a distribuição gratuita de materiais de higiene e de limpeza e a visita de equipes multiprofissionais de saúde indígena treinadas para enfrentamento da covid-19.
A proposta foi relatada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que acatou duas emendas de redação apresentadas ao texto original. A primeira, do senador Luiz do Carmo (MDB-GO), inclui os pescadores artesanais no âmbito do projeto. A segunda emenda, da senadora Kátia Abreu (PP-TO), comtempla medidas de transparência nas aquisições de materiais, serviços e contratações de pessoal.
População esquecida
Embora sendo favorável à proposta, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) ressalvou que o projeto de lei é um “bom desejo que não se transformará em realidade”, tendo em vista a falta de política pública para mais de 40 milhões de brasileiros que não contam com agua encanada e esgoto.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) reconheceu a importância do projeto, e disse que a população indígena é muitas vezes esquecida ou lembrada apenas em período de eleição, sem contar com melhores condições de vida.
Randolfe Rodrigues decidiu acatar apenas emendas de redação para que o projeto não tivesse que retornar à Câmara, onde teve origem a proposição, de autoria da deputada Professora Rosa Neide (PT-MT) e de outros deputados, de vários partidos. Na Câmara, o projeto foi relatado pela deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), que apresentou substitutivo ao texto original, aprovado naquela Casa em 21 de maio, e mantido por Randolfe Rodrigues.
O relator buscou ainda tranquilizar seus pares quanto a eventuais inconstitucionalidades levantadas durante a votação do projeto em Plenário. Ele disse que a relatoria teve a colaboração direta do líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e que buscou consenso para a aprovação da matéria.
“Entre os povos e comunidades tradicionais do Brasil, estão os povos indígenas, os quilombolas, as comunidades tradicionais de matriz africana ou de terreiro, os extrativistas, os ribeirinhos, os caboclos, os pescadores artesanais, os pomeranos, entre outros. Entendemos que a emenda do senador Luiz do Carmo apenas explicita o que já estava contemplado no mérito original do projeto, assim como a emenda da senadora Kátia Abreu, pois é natural que as contratações feitas para dar fiel cumprimento à lei sigam o trâmite já estabelecido em outra norma legal”, explicou Randolfe Rodrigues em seu relatório.
A aprovação do texto foi saudada pelos senadores Paulo Rocha (PT-PA), Esperidião Amim (PP-SC), Paulo Paim (PT-RS), Otto Alencar (PSD-BA), Eduardo Braga (MDB-AM), Nelsinho Trad (PSD-MS), Lasier Martins (Podemos-RS) e pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).
Testes para covid-19 e barreira sanitária
O projeto determina a oferta de testes rápidos, medicamentos e cestas básicas, além de barreiras sanitárias, com o controle de acesso às terras indígenas para evitar a propagação do coronavírus. As ações de saúde farão parte de plano emergencial a ser coordenado pelo governo federal, em conjunto com estados, Distrito Federal e municípios, mas deverão ser adotadas também outras medidas para garantir segurança alimentar.
O texto também prevê a disponibilização imediata de testes para diagnósticos da Covid19 e de equipamentos de proteção individual (EPIs) para todos os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) que atuam em áreas onde existam registros oficiais de povos indígenas isolados ou presença de povos indígenas de recente contato.
As ações desenvolvidas com base no projeto atenderão os indígenas aldeados ou que vivem fora das suas terras em áreas urbanas ou rurais e os povos indígenas vindos de outros países e que estejam provisoriamente no Brasil. Quanto aos quilombolas, incluem-se aqueles que estejam fora das comunidades em razão de estudos, atividades acadêmicas, tratamento de sua própria saúde ou de familiares.
Auxílio emergencial
O texto institui também um auxílio emergencial aos indígenas, no valor de um salário mínimo mensal por família, enquanto durar o estado de emergência. Esse auxílio poderá ser executado de forma descentralizada, sem a necessidade de inscrição das famílias em cadastros sociais anteriores, incluídos os índios que residam fora de terras indígenas por razões de estudo ou de tratamento médico.
Também determina que a União disponibilizará à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), de forma imediata, dotação orçamentária emergencial com o objetivo de priorizar a saúde indígena em razão do surto de covid-19.
Quilombolas
As ações do plano emergencial aplicam-se também às comunidades quilombolas, acrescentando-se que a rede do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fazer o registro e notificação da declaração de cor ou raça, garantindo a identificação de todos os quilombolas atendidos.
Caberá ainda à União criar um programa específico de crédito para povos indígenas e quilombolas para o Plano Safra 2020. A União também adotará a suspensão de atividades próximas às áreas de ocupação de indígenas isolados, a não ser aquelas de fundamental importância para a sobrevivência ou o bem-estar dos povos indígenas, na forma do regulamento.
Povos isolados
Especificamente para os povos indígenas isolados ou de contato recente com a cultura brasileira, o texto determina que somente em caso de risco iminente e em caráter excepcional será permitido qualquer tipo de aproximação para fins de prevenção e combate à pandemia.
Além disso, deverão ser suspensas as atividades próximas às áreas ocupadas por índios isolados, a não ser aquelas necessárias à sobrevivência ou ao bem-estar dos povos indígenas.
O relator também atendeu a requerimento dos senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Paulo Rocha (PT-PA) e retirou um parágrafo, incluído na votação na Câmara, que criava a possibilidade de manutenção de missões religiosas nas áreas em que vivem índios isolados. O assunto foi considerado como estranho ao objeto da proposição.
Contarato destacou que o texto original do projeto continha inconstitucionalidade, ao permitir que missões religiosas entrassem em comunidades indígenas isoladas, as quais têm suas práticas religiosas garantidas pela Constituição.
O coronavírus entre os indígenas
No relatório favorável à aprovação do PL 1.142/2020, Randolfe Rodrigues destaca boletim epidemiológico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), de 1º de junho. O documento aponta que naquela data havia, no âmbito da população indígena, 387 casos suspeitos, 1.371 casos confirmados e 52 óbitos por covid19, sendo que há notificação de casos confirmados da doença em 82% dos distritos sanitários especiais indígenas.
Como a Sesai registra exclusivamente os casos de indígenas aldeados, o Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígenas monitora os casos fora das terras indígenas, tendo registrado, em 6 de junho, 2.390 indígenas contaminados, 236 mortes e 93 povos indígenas atingidos pelo coronavírus.
Já levantamento feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Fundação Getulio Vargas (FGV) mostrou que, do total de indígenas considerados na análise, 817 mil, 34% residem em municípios com alto risco para epidemia de covid-19. O restante vive em municípios com baixo risco. O Censo de 2010, o último recenseamento disponível, apontou um total de 896.917 indígenas vivendo no país.
Dos cinco estados com maior número de casos por 100 mil habitantes, quatro estão na Amazônia. O topo da lista é ocupado pelo Amapá. Amazonas e Pará são dois dos três estados com maior taxa de óbito por habitantes no Brasil todo, ao lado do Ceará.
O relator cita ainda levantamento feito pela ONG InfoAmazonia, que mapeou a distância das aldeias até as UTIs e o número de respiradores na Amazônia Legal, a partir de dados obtidos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde e no Sistema de Cadastro de Aldeias (SisAldeia), da Funai. O estudo aponta que mais da metade (58,9%) das 3.141 aldeias analisadas está localizada a mais de 200 quilômetros de um leito de UTI, e 10% destas estão entre 700 e 1.079 quilômetros de distância.
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Com informações da Agência Senado*