O vírus causador da COVID-19 evolui sem dar trégua às preocupações dos cientistas, num momento que poderia trazer alívio maior com a chegada da vacina. Desde o princípio da pandemia, foram identificadas cerca de 800 linhagens do Sars-CoV-2.
O receio surge quando uma variante toma proporções de transmissão significativas, como ocorreu com as novas versões identificadas no Reino Unido, na África do Sul, e, agora, no Brasil. Ainda que a compreensão sobre o comportamento do novo coronavírus não seja perfeita, a rapidez na disseminação é uma das características das novas cepas.
Essa constatação leva também a questionamento sobre a eficiência das vacinas, além de evidenciar, quando se pensa no Brasil, as limitações em vigilância e monitoramento, e a importância de mapear a ocorrência das versões mutantes do coronavírus, que se espalham no país.
A exemplo do caos que se instaurou em Manaus, onde a variante brasileira foi detectada em dezembro, o temor é de que a situação se torne ainda mais severa em todo território nacional.
O Brasil pode enfrentar um quadro ainda mais grave em relação à aceleração no número de casos da doença respiratória, na avaliação do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.
Ele chamou de megaepidemia a situação que pode ocorrer no país nos próximos 60 dias, como reflexo do surgimento da variante em Manaus, que parece ter um grau de transmissibilidade maior em relação à primeira cepa.
Apesar de a variante brasileira ter sido identificada em Manaus e começado a aparecer em outros estados, o pediatra e infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), diz que o termo epicentro não é adequado, já que, a essa altura, o vírus mutante está disseminado no país.
A dificuldade na detecção se deve ao fato da baixa capacidade de testagem. Segundo ele, menos de 0,1% das cepas isoladas são sequenciadas geneticamente no Brasil. E não é possível saber qual variante será dominante em qual período de tempo, ainda que existam especulações nesse sentido.
De todas as mutações ocorridas até o momento do novo coronavírus, quando se fala mais em uma ou outra, isso depende da proporção que toma. “Chama a atenção quando aumenta muito o poder de transmissão. Em muitos casos, a transmissão é mais rápida que a capacidade de identificá-lo”, destaca Renato Kfouri.
Até o momento, o infectologista explica que permanece a eficácia das vacinas para as novas variantes. “Ainda assim, a propagação das novas versões do vírus aumenta o número de casos, mais leves, moderados ou graves, aumenta a pressão nos sistemas de saúde”, diz.
Ansiedade
A identificação da variante brasileira do coronavírus, chamada P.1, está gerando ansiedade e dúvidas entre a população, como avalia o infectologista Estevão Urbano, do Comitê de Enfrentamento à COVID-19 de Belo Horizonte. Em contato com os médicos que estão na linha de frente em Manaus, ele conta que as impressões são de que o novo tipo, além de ser de mais rápida propagação, também é mais agressivo – mas se trata de impressões, nada ainda cientificamente comprovado.
“A nova cepa pode ter contribuído para agravar o caos na cidade. Não foi identificada logo no início e hoje mais de 50% das pessoas infectadas em Manaus são pela variante. O número de óbitos por lá está no patamar mais grave até agora. É fundamental manter a cautela”, diz Estevão Urbano.
O infectologista critica o fato do governo federal, até o momento, não ter adotado medidas concretas para barrar o caminho do vírus mutante. Enquanto diversos países restringem voos e a entrada de brasileiros, pessoas vindas de Manaus, por exemplo, circulam livremente entre os estados.
“As novas cepas são motivo de preocupação mundial. Temos que estar vigilantes até ter certeza absoluta se é mais transmissível ou mais letal. Não temos estudos, e precisamos ter antes de o caldo entornar. O Brasil tem que adotar protocolos de acompanhamento e mapeamento dessa cepa. O que ocorre em Manaus pode acontecer no país todo”, alerta.
Esforço conjunto
Por outro lado, a virologista Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), pontua que o instituto vem trabalhando em redes de estudo sobre o genoma das versões do coronavírus, junto a outras frentes de atuação do Ministério da Saúde e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
“Em todo país vem sendo feito um grande esforço nesse sentido. Temos amostras sendo analisadas em diversos laboratórios. O objetivo é fornecer informações que possam auxiliar no melhor entendimento sobre a circulação e importância dessas variantes no país. Se implicam ou não em mais transmissibilidade, mais ou não patogenicidade (capacidade de um agente biológico causar doença)”, relata a virologista.
Entenda como agem as novas cepas
– Sobre a N501Y, há evidências de que possa fazer o Sars-CoV-2 mais transmissível e mais contagioso. O vírus poderia levar mais pessoas ao hospital e elevar o número de mortes, mas não se sabe com certeza, porém, se a mutação resulta em uma versão mais grave da COVID-19.
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