A Medida Provisória (MP) 902/2019, de autoria do Governo Federal, quer acabar com o monopólio da Casa da Moeda do Brasil (CMB). Essa privatização foi criticada por debatedores durante audiência pública da Comissão Mista do Senado Federal, que estuda o tema, na última semana. O texto da MP estabelece que a exclusividade para a prestação de serviços pela CMB acabará em 31 de dezembro de 2023. Se a nova regra for aprovada, a Casa da Moeda prestará apenas serviços de integração, instalação e manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos dos fabricantes de cigarro e fornecerá o selo fiscal para esses produtos. Essa integração deverá acontecer em caráter provisório até 31 de dezembro de 2021. A comissão mista da MP 902/2019 é presidida pela deputada Benedita da Silva (PT).
A expectativa do Governo Federal é de que a retirada da exclusividade da Casa da Moeda na prestação de seus serviços poderá provocar uma reestruturação produtiva da empresa, com vistas ao aumento de sua eficiência e à busca de entrada em novos mercados, possibilitando a melhoria de seus resultados.
Durante a audiência pública, o ex-diretor técnico da instituição tricentenária, Carlos Roberto de Oliveira, afirmou que a Casa da Moeda não é uma gráfica apenas, “mas um complexo industrial com função histórica e precípua de atender demandas do Estado por produtos seguros, em sua quase totalidade composto por matérias primas, processos e matrizes inacessíveis ordinariamente pelo mercado”. Ele ainda destacou que “a Casa da Moeda contempla diversas disciplinas, funções e profissões, algumas das quais sequer encontradas no mercado do trabalho, e desenvolvidas pelos próprios mestres e artífices da instituição, que repassam sutilezas de suas atividades, como forma de agregar as tecnologias possíveis para manter a empresa à frente do processo industrial”.
O ex-diretor técnico também destacou que a Casa da Moeda vem cumprindo sua missão institucional. “Somos detentores de conhecimento que poucos países têm. Somos respeitadas no mundo por nossa seriedade, qualidade e segurança em nossos produtos e processos. Temos tecnologia e capital intelectual para fabricar e exportar cédulas e moedas para qualquer país, como Argentina, Peru, Venezuela, Bolívia, Costa Rica, República do Congo, Paraguai e outros. Somos premiados em diversas modalidades de arte e técnica. Estamos ainda adequadamente equipados tecnologicamente para continuar cumprindo a nossa missão. Será que o Brasil está disposto a correr o risco de importar dinheiro com base em possível custo de oportunidade?”, questionou.
O diretor da Sociedade Numismática Brasileira, Bruno Henrique Miniuchi Pellizzari, ressaltou que uma das principais razões que levaram à criação da Casa da Moeda foi a necessidade de existir uma instituição nacional que conseguisse suprir a demanda de meio circulante para um país de dimensão continental. A demanda por dinheiro no Brasil não parou de crescer com o passar dos anos, tendo atingido picos altíssimos durante os períodos de descontrole econômico, como foi no caso das trocas sucessivas de planos monetários durante a época inflacionaria, afirmou. “Uma descentralização da produção de dinheiro pode levar à fragilização do meio circulante, no caso de tentativa de sabotagem à nossa economia. Outro risco diz respeito a instabilidades no país produtor do dinheiro. Fatores como esse podem levar a desabastecimento no Brasil. Todos as dez maiores economias globais possuem Casas da Moeda estatais, como é o caso dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, Índia, Reino Unido, França, Itália e Canadá, possuindo essas, em quase a sua totalidade, exclusividade para a confecção das moedas e cédulas do meio circulante de seus respectivos países”, comentou.
O presidente do Sindicato Nacional dos Moedeiros, Aluízio Firmiano da Silva Júnior, disse que os trabalhadores da Casa da Moeda jamais pensaram que a empresa, que em 8 de março fará 326 anos, estaria hoje correndo o risco de privatização ou descontinuidade na prestação de serviços essenciais ao Estado. “Os trabalhadores da Casa da Moeda estão todos tensos. Esse processo vai além da nossa questão corporativa, o que estamos discutindo e o Estado brasileiro e o papel que a empresa teve nos últimos 300 anos e aquilo que poderá acontecer se a gente não tiver o cuidado de preservar esse patrimônio e essa empresa que cuida da segurança nacional, que até dá lucro, mas que poderia não dar pela importância de seu trabalho. Soberania não se vende, soberania você preserva, o mundo preserva e o Brasil não pode andar na contramão do mundo”, argumentou.
O advogado da Casa da Moeda, Rodrigo da Silva Ferreira, disse, durante a audiência, que a maioria dos 190 países reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) importam dinheiro, e somente 50 nações mantêm impressoras estatais. “Todos os países de maior liberdade econômica mantêm estatais para a fabricação de dinheiro. Soberania monetária envolve direito e um poder de fato. Ela abrange o direito de emitir, o direito de definir o valor e mudar o valor do dinheiro, e o direito de definir como se dará o uso do dinheiro no território e fora do território”. Ele destacou ainda que “importar moeda não é confiar no mercado privado, é basicamente confiar em governo estrangeiro”.
O diretor da Associação Brasileira de Combate à Falsificação que congrega 70 indústrias nacionais, Rodolfo Ramazini destacou que o Brasil perdeu R$ 160 bilhões com contrabando e falsificação de produtos industrializados, em 2019, sobretudo no setor de cigarros e bebidas. “Com o desligamento do Sistema de Controle da Produção de Bebidas (Sicob), a Casa da Moeda perdeu mais de R$ 700 milhões anuais, somente no que diz respeito ao setor de bebidas. Com isso, passou a prevalecer a falsificação, a fraude e a sonegação fiscal”, ressaltou.
Na avaliação do senador Jean Paul Prates (PT), a Casa da Moeda é uma empresa indispensável ao Estado brasileiro. “É uma falácia quando se diz que a atividade da Casa da Moeda é ultrapassada e que caminhamos para um mundo sem moedas. É outra falácia dizer que a Casa da Moeda seria ineficiente e um sorvedouro de dinheiro público. Ela é inseparável do Estado brasileiro, é um braço do Estado brasileiro, e não uma subsidiária. A Casa da Moeda é ‘imprivatizável’. Alguém tem interesse nesse mercado bilionário”, afirmou.
Sobre a Casa da Moeda do Brasil
A Casa da Moeda do Brasil foi fundada em 8 de março de 1694, como solução para o problema da falta de instrumentos que auxiliassem a circulação das riquezas no Brasil Colonial. Naquela época, as poucas moedas existentes vinham de Portugal ou eram conseguidas do comércio com viajantes estrangeiros. Por isso, o rei de Portugal, D. Pedro II, autorizou a cunhagem de moedas provinciais, genuinamente brasileiras. Desde então, a Casa da Moeda do Brasil vem cumprindo sua função de dar segurança à sociedade brasileira, a qual lida no seu cotidiano com inúmeros produtos e serviços oferecidos pela Casa da Moeda.
O complexo industrial, localizado em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, é um dos maiores do gênero no mundo e o maior da América Latina. No local, funcionam as fábricas da empresa onde são desenvolvidos produtos com o elevado padrão de qualidade exigido no mercado moderno, com capacidade instalada para produzir aproximadamente 2.6 bilhões de cédulas e 4 bilhões de moedas por ano, assegurando autossuficiência para a produção nacional do meio circulante.
Leia mais:
Governo quer moeda única para América do Sul, diz Bolsonaro
> Acompanhe a tramitação da Medida Provisória aqui
Por Cíntia Ferreira, do Portal Projeta*
Com informações da Agência Senado