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    7 ex-ministros da Justiça falam sobre Moro no caso dos hackers

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    Depois que a Operação Spoofing, na semana passada, prendeu quatro pessoas acusadas de ser responsáveis pelo hackeamento de mensagens trocadas por Moro, procuradores da Operação Lava Jato e cerca de mil autoridades, o ex-juiz federal telefonou para alguns dos supostos alvos dos criminosos, na última quinta-feira, 25 de julho, para informá-los.

    Consultado pela BBC News Brasil, o ministro Moro admitiu, em nota, por meio de sua assessoria de imprensa, que “por questões de segurança nacional e pessoal, se encarregou de comunicar algumas autoridades de elevada posição, como o presidente da República, que estariam entre as vítimas”.

    Na mesma nota, no entanto, ele negou ter tido “acesso ao inquérito de investigação das invasões criminosas de celulares e mensagens de autoridades”. Segue a nota: “A manifestação do ministro sobre o tema só se deu após realização das buscas e prisões e a decisão judicial terem se tornado públicas. Não houve acesso à lista de vítimas”.

    Para pelo menos uma dessas autoridades, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio Noronha, Moro teria garantido que os eventuais diálogos interceptados pelos hackers – provas do inquérito sigiloso – seriam apagados.

    Moro levou para sua equipe no ministério delegados da PF que trabalharam na Lava Jato. (Foto: Agência Senado)

    “Acho um absurdo, ele não poderia ter acesso a essas informações, nem ele, nem o presidente, nem ninguém. Ele está exorbitando, é um abuso de poder sem precedentes na democracia recente. Não gosto de dar sentença, mas cabe ao MPF investigar a conduta de Moro”, afirmou José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, entre 1999 e 2000.

    “A conduta de Moro é totalmente fora de padrão. Existe uma dimensão de abusividade e pode ser crime de responsabilidade. Ele deveria se afastar para ser investigado e, eticamente, pode ter perdido condições de chefiar a PF”, acrescenta José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff, entre 2011 e 2016.

    “O ministro da Justiça não pode se imiscuir à função de polícia judiciária. Ele não pode ligar pras pessoas e dizer que iria destruir provas, é absurdo. É ilegal, é irregular, eu jamais tomaria uma atitude dessas, como nunca tomei”, afirma Miguel Reale Júnior, ministro de Fernando Henrique Cardoso em 2002 e autor do pedido de impeachment contra a ex-presidente Dilma.

    Ambiguidades do cargo

    Desde a redemocratização, 30 pessoas ocuparam a cadeira do Ministério da Justiça e, passaram a ser, por isso, chefes da corporação policial. É uma situação ambígua: se, por um lado, o diretor-geral da Polícia Federal está subordinado ao ministro, indicado pelo governo da ocasião, por outro, a corporação é, em tese, autônoma para investigar, inclusive integrantes do próprio governo.

    Na prática, isso leva a situações complexas: cabe ao ministro da Justiça autorizar o uso de verbas para diárias e passagens de policiais quando há uma operação. No entanto, os preceitos republicanos recomendam que o ministro sequer saiba quando uma operação acontecerá. Ou ainda, é função do ministro abrir processos de sindicância contra agentes ou delegados que tenham cometido desvio de função, mas não cabe ao ministro determinar quais caminhos os profissionais deveriam seguir ao longo das diligências.

    ‘É uma relação difícil para qualquer um’, diz Raul Jungmann. (Foto: Agência Brasil)

    “É uma relação difícil para qualquer um, porque o ministro faz uma supervisão administrativa, e a polícia faz o controle judiciário do ministro. Em caso de investigação, sai totalmente do controle do ministro – e as pessoas não entendem e pressionam. Ao mesmo tempo, qualquer iniciativa do Executivo pode ser vista como obstrução de Justiça e prevaricação”, afirma Raul Jungmann, ex-ministro de Segurança Pública e responsável pela Polícia Federal na gestão Michel Temer.

    Para os ex-ministros, o fato de Moro ter se cercado de delegados da Polícia Federal na equipe ministerial pode acentuar a confusão entre a função administrativa e a policial. Como diretor da PF, ele escolheu o delegado Maurício Valeixo, ex- superintendente da Polícia Federal do Paraná, onde Moro atuava como juiz federal. Erika Marena, uma das primeiras delegadas a comandar fases da Operação Lava Jato foi destacada para o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Outro delegado da Lava Jato, Rosalvo Ferreira, foi empossado como secretário de Operações Integradas.

    “O ministro da Justiça não é juiz, nem presidente de inquérito. Quem decide é a Justiça, não o ministro”, diz Cardozo.

    ‘Passarinho na Gaiola’

    A Operação Lava Jato nasceu (em março de 2014) e se desenvolveu enquanto o ministro da Justiça era um filiado do PT. José Eduardo Cardozo afirma que, normalmente, só sabia de operações da PF no momento de sua deflagração, por volta das 6 da manhã. Até por isso, era intensamente criticado dentro do partido, frequentemente alvo das investigações.

    “Só sabia antes se fosse algo que precisasse da minha intervenção institucional, como, por exemplo, quando havia alguma busca e apreensão no Congresso”, diz Cardozo.

    Sucessor de Cardozo, Eugênio Aragão relata ter tido cuidado semelhante.

    ‘Só sabia (de operações) antes se fosse algo que precisasse da minha intervenção institucional’, diz Cardozo. (Foto: Agência Brasil)

    “Eu discordava do (diretor da PF Leandro) Daiello em relação às operações, mas isso sequer foi tratado por nós. Eu pedia a ele que não me avisasse previamente de nada. Só ficava sabendo do nome dos presos depois, se não estivesse sob sigilo”, diz Aragão, que hoje é advogado de Lula no âmbito da Lava Jato.

    Já Tarso Genro, ministro do governo Lula entre 2007 e 2010, afirmou que “se o caso poderia suscitar alguma questão política, reportava-me à PF por escrito”.

    “Era informado previamente através da chefia, de que iria ocorrer uma ‘operação sensível’, quando incidia sobre o mundo político, sem ser informado sobre o assunto e sobre os personagens envolvidos”, diz Genro.

    Jungmann tinha sua senha com o diretor da PF Rogério Galloro: “Quando ele me perguntava: ‘vai dormir onde amanhã, ministro?’, eu já sabia que na madrugada haveria uma ação de ressonância política, mas jamais sabia o que seria”.

    Apenas um dos entrevistados admitiu ter conhecimento do alvo de uma operação da Polícia Federal de antemão. José Carlos Dias era ministro da Justiça, em 1999, quando foi preso o ex-deputado federal Hildebrando Pascoal, do Acre, acusado de cometer assassinatos usando uma motosserra. Ele acompanhou cada minuto da operação porque Hildebrando só poderia ser preso depois de cassado pelos deputados – tudo ocorreu em um intervalo de poucas horas.

    “Às 3 da manhã, o delegado me ligou e disse apenas: ‘passarinho está na gaiola'”, relembra Dias. Hildebrando foi condenado a 18 anos de prisão no caso da motosserra.

    Vazamentos

    Os ex-ministros entrevistados pela BBC News Brasil afirmaram ter como missão evitar o vazamento de informações.

    “Eu só pedia à polícia obediência aos regulamentos: uma polícia técnica, sem violência e sem vazamentos”, afirma José Gregori, ex-ministro da Justiça no Governo Fernando Henrique Cardoso, entre 2000 e 2001.

    Daí o estranhamento em relação à atitude de Moro, de ter feito ligações às autoridades que sequer eram parte do inquérito para informá-las de que poderiam ter sido alvos.

    ‘Acho um absurdo, ele não poderia ter acesso a essas informações, nem ele, nem o presidente, nem ninguém’, diz José Carlos Dias. (Foto: Agência Senado)

    “Por que teria que ligar para políticos ou autoridades dizendo que foram hackeadas? Elas não são investigadas, não tem lógica”, questiona Cardozo.

    “Pode estar com isso tentando angariar apoios políticos”, especula Dias. Moro tem sofrido desgastes públicos desde que o site Intercept começou a publicar diálogos atribuídos a ele e aos procuradores da Lava Jato em que Moro favoreceria a acusação, deixando de lado o preceito da imparcialidade.

    Em dois casos, os ex-ministros poderiam ter interesse partidário no vazamento de informações de investigações federais. À BBC News Brasil, eles rememoraram os episódios.

    “O caso Celso Daniel estava sob apuração quando eu era chefe da PF. Nunca soube de nada. Jamais poderia interferir”, relembra Reale Júnior, que era então filiado ao PSDB, a respeito do caso do prefeito de Santo André, assassinado pouco antes da eleição de Lula. A oposição ao PT sempre argumentou que o assassinato do prefeito – cotado para coordenar a campanha do petista à presidência quando foi morto – tinha motivação política. A polícia concluiu que se tratava de um crime comum.

    Do outro lado, Tarso Genro chegou a abrir investigação contra agentes que vazaram imagens da prisão do ex-prefeito Celso Pitta (PP-SP), de pijamas. Apadrinhado por Paulo Maluf, Pitta era um adversário histórico do petismo.

    “Politizar as investigações é desviar o sentido técnico do inquérito e pode ser crime. Determinei, sempre, abertura de procedimentos sindicantes quando isso ocorreu, como no caso do Pitta.”

    Jungmann afirma que não ter acesso a informações dos inquéritos é uma maneira de se defender da acusação de vazamentos.

    “Nunca tive acesso a provas porque isso seria transigir a lei e porque eu poderia ser visto como fonte de vazamentos. Eu não me arriscaria a emitir juízo sobre Moro. Como ex-juiz federal, ele deve saber o que está fazendo”.

    Ainda assim, após a experiência à frente da PF, o ex-ministro de Temer afirma estar convicto de que, para evitar eventuais ilações de uso político da PF, o ideal seria que a corporação fosse chefiada por uma agência de controle, com mandato, para assim reduzir a possibilidade de que ordens da Esplanada influenciassem o trabalho dos policiais.

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